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Vocação e dinheiro



Vivemos numa época em que tempo é dinheiro. E por isso não podemos perder tempo! É preciso correr, pois o tempo não para e parece que as horas e os dias passam cada vez mais depressa. Aprendemos, desde a infância, a valorizar o dinheiro pois é com muito suor e sacrifício que o conseguimos. Associamos o tempo ao dinheiro e às vezes não conseguimos desfrutar de fato de uma coisa, nem da outra.

Hoje corremos de um lado para o outro e comumente nem nos damos conta do porque vivermos nessa condição de vida. “É preciso ganhar o pão”, diríamos! Ou ainda: É preciso pagar as contas, suprir nossas necessidades básicas, ter um extra para curtir a vida e comprar o que ainda está faltando. É preciso também cumprir as inúmeras tarefas e deveres para com a família e o grupo social, e ainda aproveitar o tempo para cuidar do nosso corpo, afinal de contas não somos de ferro!

O curioso na vida é que quando ganhamos algo parece que outra coisa nos escapa, perdemos o que não sabemos bem o que é. Ao adquirir ou conquistar o que desejamos percebemos que ainda há algo faltando, mas não sabemos definir esse algo que queremos. Então, logo aparece uma nova propaganda para nos sugerir que o que precisamos é aquele produto ou aquele serviço ou aquela viagem ou ainda adquirir aquele corpo perfeito, enfim tudo aquilo tão desejado por crianças, adolescentes, adultos e idosos. Aquela imagem que aparece diante de nós é tão fascinante, tão atraente e maravilhosa que rapidamente temos um novo desejo e então nos colocamos a trabalhar mais para ter mais dinheiro ou a correr em busca dessa nova conquista e então satisfazer essa “sensação esquisita”, inerente ao ser humano.

Li uma frase na internet que me chamou atenção. A frase dizia “eu procurei a vida inteira sem saber pelo que”. Não sei de onde é essa frase, mas me lembrou de uma história que ouvi num evento que participei, onde uma pessoa viveu a vida toda procurando um sentido para sua vida e, no final, percebeu que o sentido da vida é procurar um sentido para a vida.

Lí, certa vez, uma carta* do artista Vicent van Gogh, a que ele dá o título “Amar muitas coisas”. Sua história é impressionante! Descobriu seu talento ao ser despedido da função que exercia de missionário, aliás, ele fracassou em várias funções que tentou exercer. Nesta busca por outra atividade, descobriu sua vocação para pintar. Ao ter tempo para refletir, não apenas em como ganhar o pão mas, sobre o que fazer para ser útil, perguntava-se: “Como posso ser útil, que serviço posso prestar? Há algo dentro de mim, o que pode ser?”

Nessa carta ele fala também que os homens são impedidos de fazer coisas, e diz: “o homem é um prisioneiro em não sei que gaiola horrível!”. Fala que a necessidade faz do homem um prisioneiro, mas que nem sempre é possivel dizer o que o mantém trancado. No final da carta ele faz sua declaração e mostra como encontrou (naquele momento) o seu caminho de libertação. E diz: sabe o que liberta a pessoa do cativeiro? Toda a afeição profunda, verdadeira. Ser amigos, ser irmãos, amar, isso é o que abre a prisão, através do poder supremo, pela interferência de alguma coisa extraordinária. Lá onde a compreensão é renovada, a vida é restaurada...”

É assim que Vicent van Gogh descobre o seu caminho e sua vocação. E resume isso no título de sua carta “Amar muitas coisas”. E sua forma de amar foi amar a pintura e através dela. A história diz que desde o primeiro dia em que pegou um pincel, pintou com tanta paixão que suas impressões foram reconhecidas mundialmente, pois, dessa forma, conseguia expressar a complexidade da vida através de sua arte. Precisou escutar o seu coração e conhecer seu verdadeiro desejo e dedicar-se com paixão! E sua obra foi, e é, um sucesso até hoje e avaliada como uma verdadeira fortuna. Infelizmente ele não foi reconhecido e admirado em seu tempo e isto o levou a um caminho desastroso, mas, no aspecto de produção artística, encontrou seu sentido de vida e satisfação pessoal.

Somos extremamente atraídos pelo que vemos e pelo que é valorizado pelo outro que está próximo a nós ou pelo grupo social a que pertencemos, e isso é inerente ao ser humano. Mas, penso que seria de grande valor se cada um pudesse escutar a si mesmo e observar o que realmente deseja, o que realmente tem valor e o que realmente precisa. Somos impulsinados a investir nosso tempo e dinheiro naquilo que talvez não fosse nossa escolha e deixamos de fazer boas escolhas para atendermos a demandas que nem sempre são verdadeiramente nossas.

Para concluir, deixo aqui perguntas que talvez possam surgir em seu ser, em seu íntimo: O que há dentro de você? O que pode ser que tem de tão valioso para realizar? O que ama de fato? A que pode se dedicar com paixão? Que queres? Qual será sua invenção para desfrutar melhor de seu tempo e dinheiro? Será nesse encontro com seu desejo que poderá encontrar seu verdadeiro sentido de vida, sua forma de amar.

*GOGH, Vicent Van (1880) “Amar muitas coisas”, in Cartas inspirativas (1998), Mundo Cristão, SP.


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