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Você tem um amigo?




Esta pergunta pode parecer estranha na atualidade, pois, de uma maneira geral, é muito fácil estabelecer relações. Basta um click em nosso computador ou celular para adicionarmos mais um em nossa lista de amigos. Alguém para conversar? Pessoas que compartilham nossa intimidade? Isso é comum em nossos dias. Somos capazes de falar horas e horas com várias pessoas ao mesmo tempo e permitir a invasão de qualquer um em nossa privacidade, não é mesmo? Ora, vivemos um momento dinâmico, virtual e não temos tempo a perder com um tipo de amizade onde se faz necessário acolher o outro, dar algo de nós, nos preocuparmos com detalhes de sua vida e aceitá-lo como é. Não é preciso, diriam alguns, ter o trabalho de andar com ele, escutar seus problemas e muito menos saber o que fazer com isso. Em nosso momento "virtual" a distância torna-se uma proteção ao desprazer e ao mesmo tempo podemos afirmar que temos muitos amigos, que não estamos isolados em nosso próprio mundo.

Destaco acima o filme "Mary e Max". É um filme que trata da amizade entre 2 pessoas que moram em países diferentes e com história de vida diferente, mas que têm algo em comum: relatam que não têm amigos. O filme apesar de muito bem produzido, traz cenas pesadas sobre a história de vida dessas pessoas e para mim o que deixa como mensagem é a necessidade que o ser humano tem de encontro com o outro. Mary, uma das personagens do filme é cercada por pessoas, mas ninguém a vê de fato. Vivencia constrangimento na escola, recriminação por seu jeito de ser, não é acolhida em seu grupo por ter algum aspecto diferente dos outros. Ela por sua vez, se esconde em "seu lugar secreto", se protegendo dessa forma. Porém, mostra-se muito infeliz e tenta procurar um amigo aleatoriamente, através de uma lista telefônica. Esse é o movimento que faz para encontrar esse amigo que lhe falta.

Max por sua vez faz calar sua necessidade de amigos, pois ficava muito ansioso quando se irritava com alguém e também por ter a consciência de suas limitações a partir do diagnóstico - síndrome de asperger - que recebeu de seu médico. Ele apoiava-se nessa doença para justificar seu isolamento. Ao receber a carta de Mary reaviva seu desejo do encontro, embora tenha limitações para isso. Resolve aceitar, até porque essa relação aconteceria por cartas, ela continuaria distante dele. Dessa forma correspondem-se e trocam suas angústias, protegidos pela distância. Ali de fato, mesmo por cartas, houve um encontro, onde diversos fatos acontecem, onde um acompanha a vida do outro, falam de suas histórias, frustrações, decepções e até se aborrecem um com o outro. Porém, há desejo de aproximação, há desejo de desfrutar da presença do outro e como ele diz: " e nós podemos dividir uma lata de leite condensado". É curioso um caso em que uma pessoa que se diz ter essa síndrome, cuja principal característica é a dificuldade de relação social, fazer uma construção tão rica como a que faz quando chega a conclusão que ela não é perfeita, resolve perdoá-la e ainda demonstra esse desejo de estar junto, de encontrarem-se. Ele afirma: "todos os humanos são imperfeitos" e resolve aceitar a amiga com suas limitações e imperfeições.

Voltando às nossas perguntas: "você tem um amigo? "quem são seus amigos? E ainda: será que podemos nos dispor a escutar essa necessidade de encontro com o outro? Será que é possível aceitar esse desafio de aproximação, mesmo sabendo que podemos nos decepcionar e não receber o que esperamos?

A experiência de estabelecer vínculos verdadeiros é fundamental na vida do ser humano. É preciso arriscar para vivenciar a troca, pois é a partir da relação com o outro que somos constituídos e aprendemos tantas coisas. Mas é necessário saber que nos encontros com qualquer ser humano também acontecem os desencontros e o mal-estar. É preciso saber que vamos ganhar, mas vamos também perder algo, pois ele não é perfeito. E como nos diz Lacan nas relações e no amor você dá o que não tem.

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